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Leishmaniose é problema de saúde pública nos grandes centros tropicaisLeishmaniasis is a public health problem in the majo

14/04/2013

Guilherme

Não se deve esquecer que a LV é uma doença da pobreza, que afeta principalmente populações excluídas do processo produtivo e negligenciadas pelas instituições governamentais e pela própria sociedade

Também conhecida como calazar, a Leishmaniose Viceral (LV), antes limitada a áreas rurais e à Região Nordeste, hoje atinge as cinco regiões brasileiras. Nos últimos anos a doença vem se expandindo para o Centro-Oeste, Norte e Sudeste, sendo que, até o final da década de 1990, a região Nordeste concentrava 90% das ocorrências e, em 2009, registrou 47,5% do total de casos do País. “O panorama epidemiológico não deixa dúvidas sobre a gravidade da situação e a franca expansão geográfica da Leishmaniose Viceral. De 1980 a 2011, foram notificados mais de 80 mil casos no Brasil, levando mais de 4,5 mil pessoas à morte”, atenta Dr. Guilherme Werneck, professor do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), ao observar que entre os anos de 2009 e 2011, a transmissão autóctone da LV foi registrada, em mais de 20% dos municípios brasileiros, em 21 estados.

Dados do Ministério da Saúde (MS) revelam, nos últimos anos, a periurbanização e a urbanização do Lutzomyia longipalpis – espécie de mosquito-palha – com destaque para os surtos ocorridos no Rio de Janeiro (RJ), Belo Horizonte (MG), Araçatuba (SP), Santarém (PA), Corumbá (MS), Teresina (PI), Natal (RN), São Luís (MA), Fortaleza (CE), Camaçari (BA) e, mais recentemente, as epidemias ocorridas nos municípios de Três Lagoas (MS), Campo Grande (MS) e Palmas (TO).

Os motivos da urbanização da Leishmaniose Visceral não são ainda completamente conhecidos, conforme assegura Dr. Guilherme Werneck. Mas, segundo o especialista, um dos principais elementos favorecedores é a grande adaptabilidade dos insetos vetores (flebotomíneos) ao ambiente peridoméstico nas cidades. “A migração rural-urbana, a ocupação não planejada das periferias das cidades muitas vezes acompanhada de modificações ambientais e as más-condições de vida são aspectos macroestruturais que provavelmente favoreceram a introdução e manutenção do ciclo de transmissão em áreas urbanas”, esclarece o professor.

Entretanto, ele salienta que, o papel do cão e outros reservatórios como potenciais amplificadores da infecção, da criação de animais que podem atrair os vetores e dos diferentes elementos paisagísticos (tipos de vegetação) precisam de maior investigação. “Também, não se deve minimizar a falta de compromisso político com a saúde pública e as deficiências estruturais dos serviços de saúde e dos programas de controle”, aponta Dr. Werneck ao realçar a falta de alternativas efetivas para o controle da doença, como outro ponto relevante para a manutenção da transmissão em meio urbano.

O cão não é o único reservatório
No Brasil, o cão é considerado o principal reservatório do agente infeccioso (o protozoário L. Infantum) no ambiente urbano, mas outros mamíferos podem desempenhar este papel, como alguns marsupiais e outros canídeos silvestres. “Existem dados na literatura mostrando que mesmo humanos poderiam transmitir o protozoário para flebotomíneos”, pondera o especialista ao afirmar que, aparentemente, a manutenção do ciclo de transmissão da LV em meio urbano depende fundamentalmente do cão doméstico. “Os outros mamíferos, incluindo humanos, teriam um papel secundário e insuficiente para sustentar a transmissão na ausência de cães infectados. Entretanto, há muitas incertezas sobre estas questões, e há certamente a necessidade de mais estudos sobre o tema, particularmente, sobre a possibilidade de existirem nichos específicos em que outros reservatórios tenham um papel epidemiológico mais relevante”, admite.

 

Uma doença sem fronteiras
Além do Brasil, existem outros países que sofrem com a Leishmaniose Viceral. “Em torno de 200 mil a 400 mil casos de LV ocorrem por ano em cerca de 60 países, mas 90% das ocorrências estão concentrados na Índia, Bangladesh, Sudão, Sudão do Sul, Brasil e Etiópia”, divulga Dr. Werneck ao alegar que os motivos variam dependendo do país que se analisa. Ele revela que em certas regiões do planeta, em particular no Subcontinente Indiano, onde se registra 80% dos casos mundiais, a infecção é majoritariamente transmitida de pessoa a pessoa por meio da picada de flebotomíneos, mas sem intermediação de um reservatório não humano. “De qualquer forma, não se deve esquecer que a LV é uma doença da pobreza, que afeta principalmente populações excluídas do processo produtivo e negligenciadas pelas instituições governamentais e pela própria sociedade”, frisa o professor da UFRJ.

Planos para eliminar a doença
A mais importante iniciativa para eliminação da Leishmaniose Visceral está em andamento no Subcontinente Indiano, onde a doença é de transmissão antroponótica, de acordo com Dr. Werneck. Ele adianta que a meta da Índia, Nepal e Bangladesh é reduzir a incidência da doença de cerca de 20 casos por 10 mil habitantes para menos de 1 caso por 10 mil habitantes até 2015. “As bases deste programa são o diagnóstico e o tratamento precoce de todos os casos; controle integrado de vetores; ações efetivas de vigilância epidemiológica baseada na notificação passiva e na busca ativa de casos; mobilização social e incentivo ao desenvolvimento de pesquisas clínicas e operacionais”, enumera o especialista ao antecipar que as dificuldades são imensas, particularmente devido a importância dos casos assintomáticos para a transmissão e a ocorrência tardia da síndrome dérmica pós-calazar – cerca de 2 anos após a cura da LV.

“No Brasil não existe um programa que tenha como meta a eliminação da LV. O do Ministério da Saúde objetiva, basicamente, reduzir os níveis de transmissão e a carga de morbimortalidade”, argumenta o professor. Ele relata que para isto se dê é necessário o diagnóstico e o tratamento precoce de todos os casos, além do manejo apropriado das ocorrências graves e dos pacientes que apresentam co-infecção com o HIV. “E, para reduzir a transmissão, basicamente se lança mão do controle de vetores por meio de inseticidas e manejo ambiental, bem como da remoção e sacrifício de cães que apresentam resultados positivos em exames sorológicos (para detecção de anticorpos contra o protozoário causador da doença)”, destaca Dr. Werneck.

Segundo ele, estas estratégias têm sido insuficientes para redução da transmissão, já que a letalidade continua estabilizada – em torno de 6%. “Há uma necessidade urgente de revisão deste modelo, particularmente das estratégias para redução dos níveis de transmissão. O controle vetorial seria, teoricamente, a estratégia primordial, mas lacunas no conhecimento de aspectos relacionados à biologia e à ecologia do vetor, bem como entraves operacionais limitam sua efetividade”, defende o professor ao atestar que a eliminação canina não encontra respaldo na literatura científica e se torna cada dia mais como uma estratégia anacrônica, ineficiente e com baixo apoio da sociedade, além de eticamente questionável.

Para o especialista, somente com um consenso – que tenha como base a melhor evidência científica disponível e que envolva a comunidade científica, representantes da sociedade civil e os responsáveis pela implementação das ações de controle, contemplando todas as correntes de opinião e pontos de vista – será possível pensar em alcançar um futuro em que a incidência da LV estará em níveis passíveis de se cogitar sua eliminação.

“No Brasil existe uma comunidade científica muito atuante na área da Leishmaniose Visceral, desde grupos mais orientados para a pesquisa básica até aqueles enfocando aspectos populacionais. Sem dúvida, uma vacina eficaz contra infecção humana, ou mesmo para impedir o desenvolvimento de formas graves da doença, seria a ferramenta mais desejada, entretanto ainda temos um bom caminho a percorrer para alcançá-la”, adverte Dr. Werneck.

Ele lembra que há vacinas disponíveis no mercado para Leishmaniose Visceral Canina (LVC), mas, apesar de promissoras, não há ainda evidências sólidas e suficientes sobre seu potencial papel na diminuição do grau de infectividade do cão, pelo menos para reduzi-lo em níveis que tenham impacto na incidência de casos humanos.

Para o especialista, não basta uma produção científica inovadora e de qualidade, também é preciso buscar meios de traduzir seus resultados em ações concretas. “Tão importante quanto o desenvolvimento científico é o estabelecimento de um compromisso social para evitar que a LV se estabeleça definitivamente como mais uma mazela sanitária do cotidiano urbano brasileiro”, conclui.

Guilherme

One must not forget that VL is a disease of poverty, affecting mostly people excluded from the production process and those neglected by the government and by society itself

Also known as kala azar, visceral leishmaniasis (VL), which was previously limited to rural areas and the Northeast, currently affects five Brazilian regions. In recent years the disease has expanded to the Midwest, North and South; by the end of the 1990s, 90% of the occurrences were concentrated in the Northeast, while in 2009, just 47.5% of total national registered cases occurred there. “The epidemiological picture leaves no doubt about the seriousness of the situation and the geographical expansion of VL. From 1980 to 2011, more than 80,000 cases were reported in Brazil, with 4,500 deaths”, says Dr. Guilherme Werneck, professor at the Institute of Public Health Research at the Federal University of Rio de Janeiro (UFRJ). He notes that between 2009 and 2011, the indigenous transmission of VL was recorded in more than 20% of Brazilian municipalities, in 21 states.

Data from the Ministry of Health show the recent urbanization and suburbanization of Lutzomyia longipalpis – a species of mosquito  – which was prominent in the outbreaks in Rio de Janeiro (RJ), Belo Horizonte (MG), Araçatuba ( SP), Santarém (PA), Corumbá (MS), Teresina (PI), Natal (RN), São Luís (MA), Fortaleza (CE), Camaçari (BA) and, more recently, the epidemics that took place in the municipalities of Três Lagoas (MS), Campo Grande (MS) and Palmas (TO).

The reasons for the urbanization of VL are not yet fully known, Dr. Werneck says. But, according to the expert, one of the main elements is the great adaptability of the vector insects (sandflies) to the peridomestic environment in cities. “Rural-urban migration, unplanned occupation of the peripheries of cities (often accompanied by environmental changes) and poor living conditions are macrostructural aspects which probably encouraged the introduction and maintenance of the transmission cycle in urban areas”, explains the Professor.

However, he stresses that further investigation is required on: the role of dogs and other reservoirs as potential amplifiers of infection; the rearing of livestock that may attract vectors; and different landscape elements (types of vegetation). “Also, one should not forget the lack of political commitment to public health and the structural weaknesses of health services and control programs”, says Dr. Werneck, who highlights the lack of effective alternatives for disease control as another factor in the maintenance of transmission in urban areas.

Dogs are not the only reservoirs
In Brazil, the dog is considered to be the main reservoir of the infectious agent (the protozoan L. Infantum) in the urban environment, but other mammals may play a role, including some marsupials and other wild canids. “There are data in the literature showing that even humans can transmit the parasite to sandflies”, says the expert. He says that the continuation of the transmission cycle of VL in urban areas apparently depends mainly on the domestic dog. “Other mammals, including humans, play a secondary role, which is insufficient at maintaining the transmission in the absence of infected dogs. However, there are many uncertainties about these issues, and there is certainly a need for more studies on the subject, particularly on whether there are specific niches where other reservoirs have a more relevant epidemiological role”, he admits.

A disease without borders
In addition to Brazil, other countries suffer from VL. “Around 200,000 to 400,000 cases of VL occur annually in about 60 countries, but 90% of cases are concentrated in India, Bangladesh, Sudan, South Sudan, Ethiopia and Brazil”, says Dr. Werneck, who says the reasons vary according to the country being analyzed. He says that in certain regions of the world, particularly in the Indian Subcontinent, where 80% of worldwide cases are registered, the infection is mainly transmitted person-to-person through sandfly bites, but without the intermediation of a non-human reservoir. “One should not forget that VL is a disease of poverty, affecting mostly people excluded from the production process and neglected by the government and by society”, stresses the UFRJ professor.

Plans to eliminate the disease
The most important initiative for elimination of VL is currently taking place in the Indian Subcontinent, where disease transmission is anthroponotic, according to Dr. Werneck. He adds that the goal of India, Nepal and Bangladesh is to reduce disease incidence from approximately 20 cases per 10,000 inhabitants to less than 1 case per 10,000 inhabitants by 2015. “The foundations of this program are: the diagnosis and early treatment of all cases; vector control; effective actions of epidemiological surveillance based on passive reporting and active searching for cases; social mobilization and encouraging the development of clinical and operational research”, lists the expert. He anticipates immense difficulties, particularly given the importance of asymptomatic cases for the transmission and the late occurrence of post-kala azar dermal syndrome – about 2 years after VL cure.

“In Brazil there is no program that targets VL elimination. The Ministry of Health aims to reduce transmission levels and the morbidity and mortality load”, argues the professor. He says that this requires early diagnosis and treatment of all cases, in addition to appropriate management of severe cases and patients with HIV co-infection. “And, in order to reduce transmission, it is necessary to control vectors using insecticides and environmental management, as well as remove and sacrifice dogs that test positive for VL” says Dr. Werneck.

According to the doctor, these strategies have been insufficient at reducing transmission, because the lethality remains stable – at around 6%. “There is an urgent need to review this model, particularly the strategies to reduce the levels of transmission. Vector control would, theoretically, be the primary strategy, but gaps in knowledge of aspects related to the biology and ecology of the vector, as well as operational barriers, limit their effectiveness”, he argues. He says that dog culling is not supported by scientific literature and is becoming an anachronistic and inefficient strategy, which is ethically questionable and has little support from society.

He says that only a consensus – which is based on the best available evidence and involves the scientific community, civil society representatives and those responsible for implementation of control measures, covering all strands of opinion and viewpoints – will make possible a future where the incidence of VL will fall to levels where its elimination can be envisaged.

“Brazil has a very active scientific community in the VL field, from groups that are mainly orientated around basic research to those that focus on population aspects. Without doubt, an effective vaccine against human infection or rather to prevent the development of severe forms of the disease, would be the most desirable tool, although there is still a long way to go”, he warns.

He points out that there are vaccines available on the market for Canine Visceral Leishmaniasis (CVL), but although promising, there is still no solid and sufficient evidence regarding their potential to reduce the degree of infectivity of canines, at least to reduce it to levels that have an impact on the incidence of human cases.

He believes that innovative and high-quality scientific production is not enough, their results must translate into concrete actions. “Just as important as scientific development, is the social commitment to prevent VL from becoming established as yet another health blemish of everyday urban Brazil”, he concludes.