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Situações de vulnerabilidade ditam o futuro do HIVSituações de vulnerabilidade ditam o futuro do HIV

15/12/2011

O primeiro dia de dezembro é marcado pelo Dia Mundial de Luta contra a AIDS. Pensando nisso, a Sociedade Brasileira de Medicina Tropical entrevistou, com exclusividade, o diretor do departamento de DST, AIDS e hepatites virais do Ministério da Saúde, Dr. Dirceu Greco. Assuntos como a incidência da doença nos trópicos e sua disparidade em diferentes regiões do território brasileiro foram abordados. Para o especialista, que já está à frente do Programa Nacional de AIDS há quase um ano e meio, não se trata de uma condição geográfica, mas sim de diversos “determinantes sociais” que devem ser avaliados em populações que se encontram “em situação de vulnerabilidade”. Confira a entrevista na íntegra:

SBMT: Como surgiu o HIV e como se dispersou pelo mundo?
Dr. Dirceu Greco: Aparentemente, o HIV, como outras patologias, é uma antropozoonose. Quer dizer que ela estava estabelecida de maneira ampla em população animal e saltou para o ser humano, que traz uma patologia muito mais grave que a inicial. Provavelmente, a infecção foi via macaco, na África Central.

SBMT: Apenas cerca de 40% da população mundial vive nos trópicos, mas quase 90% dos casos de HIV/AIDS ocorrem nos países tropicais. O que condiciona essa distribuição?
Dr. Dirceu Greco: A coincidência com os trópicos está relacionada com algo mais importante, que são os determinantes sociais. Essa patologia atinge muito mais populações vulneráveis nos aspectos social, econômico, de gênero ou étnica. Então ela está localizada exatamente nessas regiões onde está concentrada a maior parte dessas populações.

SBMT: Quais as maiores dificuldades para o controle da AIDS nos trópicos?
Dr. Dirceu Greco: Nas regiões abaixo do Equador, a dificuldade é de acesso diferenciado. Os serviços de saúde sobrecarregados, com menos profissionais, com dificuldades das pessoas chegarem aos locais e de muitas vezes nem saberem que têm direitos. Para mudar, temos de discutir profundamente que existem determinantes sociais para essa doença, e para várias outras, e enfocar de modo que possamos intervir. O que eu chamo de intervenção é a emancipação dos povos, saber que as pessoas, juntas, têm direitos e elas podem reivindicá-los para controlar a doença.
O Brasil é exceção, se visto num sentido amplo. Está nos trópicos, mas a incidência é menor ou igual a países desenvolvidos da Europa Ocidental e da América do Norte. É evidente que estamos falando do Brasil como um país. Tem várias diferenças regionais, como em todo lugar no mundo. Na América do Norte, afetam populações marginalizadas, como os afro-americanos e os hispano-americanos, mesmo não estando no trópico.

SBMT: A incidência de HIV/AIDS continua aumentando no Norte e Nordeste do Brasil, mas está caindo nos estados mais ao sul. Existem dois Brasis com AIDS ou duas AIDS no Brasil?
Dr. Dirceu Greco: As pessoas, algum tempo atrás, me perguntavam: de qual Brasil você está falando quando fala sobre o país? Sétima economia do mundo, PIB enorme, mas com disparidades importantes. Elas não estão exclusivamente relacionadas à posição geográfica, mas muito intensamente à capacidade de estrutura básica de acesso à saúde, muito pior em certos locais, além das populações vulneráveis por preconceito, violência, etnia, gênero e situação econômica.

SBMT: Existem maior morbidade e letalidade do HIV no Norte e Nordeste do Brasil, que pode ser devida ao retardo no diagnóstico. A que se deve isto? À organização dos serviços de saúde ou às características sociais e culturais da população local?
Dr. Dirceu Greco: O Norte e Nordeste têm várias razões para ter o aumento. Parte delas pode até ser vista pelo lado positivo: aumenta-se o diagnóstico por acesso ao teste, a estrutura de saúde é muito melhor em relação ao que era há oito anos. A epidemia levou mais tempo para chegar a essas áreas, já que antes era mais concentrada no Sudeste e no Sul do país e de novo (entram) os determinantes sociais. Saber qual o percentual de causa em cada lugar é um papel nosso de intervenção. O Estado intervém facilitando o acesso, principalmente o diagnóstico, que é muito bem lembrado e deve ser falado a todo o momento. Se diagnosticar precocemente, você diminui a mortalidade, porque as pessoas se tratam. As pessoas se tratando, diminui a transmissão, porque quanto mais tempo em tratamento, menos risco tem. Isto é dito não só pelo conhecimento em relação à epidemia, mas porque sabemos que quando a carga viral diminui, a chance de transmitir cai também.

SBMT: Existem influências climáticas ou raciais na transmissão do HIV?
Dr. Dirceu Greco: Não. Coincidentemente, as influências raciais são por dificuldades de acesso, populações que estão mais vulneráveis. Historicamente, o país é um exemplo para o mundo inteiro. A dificuldade dessas populações é de se emanciparem e tornarem-se capazes de reivindicar, ter acesso, haver uma distribuição mais igualitária, o que foi uma vitória a partir do governo Lula. A distribuição de renda melhorou, mas longe de termos uma solução. No aspecto climático, se a transmissão do HIV está relacionada principalmente por relação sexual, então não tem a ver. O outro tipo de transmissão, que é via sanguínea ou da mãe para o filho, também não tem nada a ver (com o clima).

SBMT: Qual é o futuro do HIV nos trópicos?
Dr. Dirceu Greco: Outra vez vou ter de contra-argumentar: é o futuro do HIV em situação de vulnerabilidade. Por muitos anos, as doenças tropicais aconteceram por facilitação de o vetor sobreviver em clima mais quente. Mas, com o HIV, a transmissão é sexual ou sanguínea, então o futuro da doença, nessa situação de vulnerabilidade, vai depender de nós, de como vamos intervir, de como a população é capaz de reivindicar, como na semana passada na Conferência Nacional de Saúde. E também com um SUS cada vez melhor, com facilidade de acesso, qualidade, sem discriminação, sem preconceito.
Nota: durante a 14ª Conferência Nacional de Saúde, ocorrida em Brasília entre os dias 30/11 e 04/12, membros da sociedade civil manifestaram-se em prol da viabilização de mais recursos para a saúde e também para fortalecer a luta contra a privatização do setor.

SBMT: Como o senhor pensa a atuação da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical no combate a AIDS?
Dr. Dirceu Greco: A SBMT é um parceiro imprescindível do departamento de DST, AIDS e hepatites virais juntamente com outras que lidam com essas patologias. Ela tem um histórico importante de ligação na luta contra doença de Chagas, leishmanioses, hanseníase e, certamente, junto conosco, será um ponto importante nessa luta contra a epidemia da AIDS das hepatites e de outras DSTs.

O primeiro dia de dezembro é marcado pelo Dia Mundial de Luta contra a AIDS. Pensando nisso, a Sociedade Brasileira de Medicina Tropical entrevistou, com exclusividade, o diretor do departamento de DST, AIDS e hepatites virais do Ministério da Saúde, Dr. Dirceu Greco. Assuntos como a incidência da doença nos trópicos e sua disparidade em diferentes regiões do território brasileiro foram abordados. Para o especialista, que já está à frente do Programa Nacional de AIDS há quase um ano e meio, não se trata de uma condição geográfica, mas sim de diversos “determinantes sociais” que devem ser avaliados em populações que se encontram “em situação de vulnerabilidade”. Confira a entrevista na íntegra:

SBMT: Como surgiu o HIV e como se dispersou pelo mundo?
Dr. Dirceu Greco: Aparentemente, o HIV, como outras patologias, é uma antropozoonose. Quer dizer que ela estava estabelecida de maneira ampla em população animal e saltou para o ser humano, que traz uma patologia muito mais grave que a inicial. Provavelmente, a infecção foi via macaco, na África Central.

SBMT: Apenas cerca de 40% da população mundial vive nos trópicos, mas quase 90% dos casos de HIV/AIDS ocorrem nos países tropicais. O que condiciona essa distribuição?
Dr. Dirceu Greco: A coincidência com os trópicos está relacionada com algo mais importante, que são os determinantes sociais. Essa patologia atinge muito mais populações vulneráveis nos aspectos social, econômico, de gênero ou étnica. Então ela está localizada exatamente nessas regiões onde está concentrada a maior parte dessas populações.

SBMT: Quais as maiores dificuldades para o controle da AIDS nos trópicos?
Dr. Dirceu Greco: Nas regiões abaixo do Equador, a dificuldade é de acesso diferenciado. Os serviços de saúde sobrecarregados, com menos profissionais, com dificuldades das pessoas chegarem aos locais e de muitas vezes nem saberem que têm direitos. Para mudar, temos de discutir profundamente que existem determinantes sociais para essa doença, e para várias outras, e enfocar de modo que possamos intervir. O que eu chamo de intervenção é a emancipação dos povos, saber que as pessoas, juntas, têm direitos e elas podem reivindicá-los para controlar a doença.
O Brasil é exceção, se visto num sentido amplo. Está nos trópicos, mas a incidência é menor ou igual a países desenvolvidos da Europa Ocidental e da América do Norte. É evidente que estamos falando do Brasil como um país. Tem várias diferenças regionais, como em todo lugar no mundo. Na América do Norte, afetam populações marginalizadas, como os afro-americanos e os hispano-americanos, mesmo não estando no trópico.

SBMT: A incidência de HIV/AIDS continua aumentando no Norte e Nordeste do Brasil, mas está caindo nos estados mais ao sul. Existem dois Brasis com AIDS ou duas AIDS no Brasil?
Dr. Dirceu Greco: As pessoas, algum tempo atrás, me perguntavam: de qual Brasil você está falando quando fala sobre o país? Sétima economia do mundo, PIB enorme, mas com disparidades importantes. Elas não estão exclusivamente relacionadas à posição geográfica, mas muito intensamente à capacidade de estrutura básica de acesso à saúde, muito pior em certos locais, além das populações vulneráveis por preconceito, violência, etnia, gênero e situação econômica.

SBMT: Existem maior morbidade e letalidade do HIV no Norte e Nordeste do Brasil, que pode ser devida ao retardo no diagnóstico. A que se deve isto? À organização dos serviços de saúde ou às características sociais e culturais da população local?
Dr. Dirceu Greco: O Norte e Nordeste têm várias razões para ter o aumento. Parte delas pode até ser vista pelo lado positivo: aumenta-se o diagnóstico por acesso ao teste, a estrutura de saúde é muito melhor em relação ao que era há oito anos. A epidemia levou mais tempo para chegar a essas áreas, já que antes era mais concentrada no Sudeste e no Sul do país e de novo (entram) os determinantes sociais. Saber qual o percentual de causa em cada lugar é um papel nosso de intervenção. O Estado intervém facilitando o acesso, principalmente o diagnóstico, que é muito bem lembrado e deve ser falado a todo o momento. Se diagnosticar precocemente, você diminui a mortalidade, porque as pessoas se tratam. As pessoas se tratando, diminui a transmissão, porque quanto mais tempo em tratamento, menos risco tem. Isto é dito não só pelo conhecimento em relação à epidemia, mas porque sabemos que quando a carga viral diminui, a chance de transmitir cai também.

SBMT: Existem influências climáticas ou raciais na transmissão do HIV?
Dr. Dirceu Greco: Não. Coincidentemente, as influências raciais são por dificuldades de acesso, populações que estão mais vulneráveis. Historicamente, o país é um exemplo para o mundo inteiro. A dificuldade dessas populações é de se emanciparem e tornarem-se capazes de reivindicar, ter acesso, haver uma distribuição mais igualitária, o que foi uma vitória a partir do governo Lula. A distribuição de renda melhorou, mas longe de termos uma solução. No aspecto climático, se a transmissão do HIV está relacionada principalmente por relação sexual, então não tem a ver. O outro tipo de transmissão, que é via sanguínea ou da mãe para o filho, também não tem nada a ver (com o clima).

SBMT: Qual é o futuro do HIV nos trópicos?
Dr. Dirceu Greco: Outra vez vou ter de contra-argumentar: é o futuro do HIV em situação de vulnerabilidade. Por muitos anos, as doenças tropicais aconteceram por facilitação de o vetor sobreviver em clima mais quente. Mas, com o HIV, a transmissão é sexual ou sanguínea, então o futuro da doença, nessa situação de vulnerabilidade, vai depender de nós, de como vamos intervir, de como a população é capaz de reivindicar, como na semana passada na Conferência Nacional de Saúde. E também com um SUS cada vez melhor, com facilidade de acesso, qualidade, sem discriminação, sem preconceito.
Nota: durante a 14ª Conferência Nacional de Saúde, ocorrida em Brasília entre os dias 30/11 e 04/12, membros da sociedade civil manifestaram-se em prol da viabilização de mais recursos para a saúde e também para fortalecer a luta contra a privatização do setor.

SBMT: Como o senhor pensa a atuação da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical no combate a AIDS?
Dr. Dirceu Greco: A SBMT é um parceiro imprescindível do departamento de DST, AIDS e hepatites virais juntamente com outras que lidam com essas patologias. Ela tem um histórico importante de ligação na luta contra doença de Chagas, leishmanioses, hanseníase e, certamente, junto conosco, será um ponto importante nessa luta contra a epidemia da AIDS das hepatites e de outras DSTs.