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“Os acidentes de motocicleta são um problema tropical”, afirma Dr. Carlos Costa, presidente da SBMT“Os acidentes de motocileta

14/03/2012

 “A SBMT vê não só os acidentes de motocicleta, mas a violência urbana como um todo, como um problema tropical e deve liderar a advocacia para proteger as pessoas das suas consequências”, afirma Dr. Carlos Costa, presidente da SBMT.
Os acidentes com moto já se tornaram uma epidemia no país. Segundo dados do jornal O Estado de S. Paulo, os mortes em acidentes com motos já superaram a de carros. A virada aconteceu em 2007, e desde então a diferença só vem aumentando. Em 2009, as mortes de motociclistas ultrapassaram as de pedestres e alcançaram o topo do ranking de mortes por acidentes. Em 2010, foram 10.134 mortes de motoqueiros, contra 9.078 de pedestres e 8.659 de ocupantes de automóveis, segundo estatísticas do Sistema de Informações de Mortalidade (SIM), tabuladas pelo jornal a partir do site do Datasus. Enquanto as mortes por atropelamento caíram 30% quando comparadas às de 1996, as de motociclistas cresceram 1.298% no mesmo período. Nos últimos dez anos, 65.671 motociclistas morreram em acidentes pelo País. É uma quantidade de vidas perdidas equivalente aos soldados norte-americanos mortos durante toda a Guerra do Vietnã. As mortes de motociclistas são uma epidemia, uma das piores que o Brasil já enfrentou.

O presidente da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, Dr. Carlos Costa, explica que os acidentes de trânsito, como a violência como um todo, são um problema mais grave nos trópicos. Confira.

SBMT: Por que a preocupação com acidentes de motocicleta?
Dr. Carlos Costa: No Brasil, é nítida a predominância de acidentes de motocicleta em pequenos municípios do Norte e do Nordeste. Na África, pelo pouco que vi em Luanda, é muito pior. Os acidentes de motocicleta estão ligados a vários fenômenos culturais, políticos, econômicos e climáticos, e cada um deles é mais relevantes nos Trópicos. É preciso lembrar que as populações tropicais são relativamente recém-chegadas nas cidades, onde a vida é muito mais complexa, pois a transição demográfica do campo para as cidades ocorreu mais recentemente ou não se completou. Muitas destas pessoas não tiveram as mesmas oportunidades de educação e assim, podem não compreender, ou incorporar, a importância das leis de trânsito. Tendem mais a não cumprir normas e rotinas.

Além disto, o tamanho do estado perante a sociedade, nos Trópicos, é menor, mais frágil, e nem sempre tem o poder de impor as leis. Como muitos dos estados tropicais são oligárquicos, tendem a abandonar as populações mais pobres à sua própria sorte, como foi o caso das favelas do Rio durante décadas, justamente aquelas que mais necessitam da proteção das leis. Assim, os cidadãos não se habituam a seguir normas que os protegeriam. Pessoas sem habilitação para dirigir, indivíduos alcoolizados, e até mesmo crianças dirigindo, fazem o ambiente perfeito para a tragédia das motos nos países tropicais.

As motocicletas são um bem em si, como todo avanço tecnológico. Em muito agilizam a vida nas cidades, particularmente nas cidades tropicais, com o seu trânsito caótico, que é devido à falta dos recursos para os investimentos urbanos que facilitariam o tráfego de veículos. Assim, motocicletas representam uma ferramenta indispensável na vida urbana nos Trópicos. Com o rápido crescimento econômico de algumas nações tropicais, tornaram-se mais acessíveis para pessoas mais pobres, e muito mais comuns. Hoje, se constituem em uma proporção muito significativa da frota. E a tendência é aumentar, inundar os Trópicos.

Finalmente, o clima tropical é mais favorável ao uso de moto. Com exceção das chuvas, a ausência do frio e da neve faz das motocicletas um veículo ideal para o traslado rápido de pessoas e de pequenas entregas de mercadorias nos países tropicais. As motocicletas são os novos cavalos, os cavalos urbanos que estão enlouquecidos. E o que se vê, é apenas o começo. Com o aumento da renda nos trópicos, a importância econômica e a adequação ao clima, as motocicletas serão a grande maioria dos veículos e as mortes serão como a de um genocídio.

Desta forma, a SBMT vê não só os acidentes de motocicleta, mas a violência urbana como um todo, como um problema tropical e deve liderar a advocacia para proteger as pessoas das suas conseqüências e lutar para preveni-las.

SBMT: Mas sendo a SBMT uma sociedade constituída principalmente por médicos com treinamento em doenças infecciosas, como pode entrar nesta área?
Dr. Carlos: A SBMT não é constituída apenas por médicos especialistas em doenças infecciosas. A Medicina Tropical não pode ser confundida como Infectologia, nem como Parasitologia Clínica, pois está muito além. A Medicina Tropical é a medicina dos Trópicos, para os Trópicos. Muitos dos médicos que se dedicam a ela são clínicos, pediatras, cirurgiões, dermatologistas, pneumologistas, cardiologistas, hematologistas, entre várias outras especialidades, que cuidam de doenças como pênfigo foliáceo, câncer de pele, doenças respiratórias relacionadas a poluição, anemia falciforme, bócio endêmico, desnutrição, etc. Além disto, muitos não são médicos, são biólogos, epidemiologistas e cientistas sociais que têm muito a contribuir para o conhecimento do assunto, pois a Medicina Tropical não apenas uma especialidade médica, é uma disciplina, uma grande disciplina que dedica-se a 40% da humanidade, aquela que vive nos trópicos.

É justamente este o papel da SBMT: agregar conhecimento no tema. Precisamos saber mais sobre a epidemiologia dos acidentes de motocicleta para estabelecermos políticas públicas eficazes. É preciso saber os principais tipos de lesões para oferecermos os melhores tratamentos e equiparmos as unidades de urgência. É preciso saber como educar, como enviar mensagens que sejam de fato incorporadas por aqueles que dirigem motocicletas. Para tal, a SBMT tem o dever de participar do esforço coletivo de reunir novos profissionais e pesquisadores, como traumatologistas, ortopedistas, fisioterapeutas, neurologistas e neurocirurgiões, cirurgiões plásticos, educadores, legisladores, profissionais do trânsito e de muitos outros em torno do problema da violência no trânsito nos Trópicos. Definitivamente, a Medicina Tropical, particularmente a Medicina Tropical urbana, não é propriedade exclusiva dos que lidam com doenças infecciosas, mas, por ser essencialmente multidisciplinar, envolve a todos aqueles que estão preocupados com os problemas de saúde dos trópicos. “A SBMT vê não só os acidentes de motocicleta, mas a violência urbana como um todo, como um problema tropical e deve liderar a advocacia para proteger as pessoas das suas consequências”, afirma Dr. Carlos Costa, presidente da SBMT.
Os acidentes com moto já se tornaram uma epidemia no país. Segundo dados do jornal O Estado de S. Paulo, os mortes em acidentes com motos já superaram a de carros. A virada aconteceu em 2007, e desde então a diferença só vem aumentando. Em 2009, as mortes de motociclistas ultrapassaram as de pedestres e alcançaram o topo do ranking de mortes por acidentes. Em 2010, foram 10.134 mortes de motoqueiros, contra 9.078 de pedestres e 8.659 de ocupantes de automóveis, segundo estatísticas do Sistema de Informações de Mortalidade (SIM), tabuladas pelo jornal a partir do site do Datasus. Enquanto as mortes por atropelamento caíram 30% quando comparadas às de 1996, as de motociclistas cresceram 1.298% no mesmo período. Nos últimos dez anos, 65.671 motociclistas morreram em acidentes pelo País. É uma quantidade de vidas perdidas equivalente aos soldados norte-americanos mortos durante toda a Guerra do Vietnã. As mortes de motociclistas são uma epidemia, uma das piores que o Brasil já enfrentou.

O presidente da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, Dr. Carlos Costa, explica que os acidentes de trânsito, como a violência como um todo, são um problema mais grave nos trópicos. Confira.

SBMT: Por que a preocupação com acidentes de motocicleta?
Dr. Carlos Costa: No Brasil, é nítida a predominância de acidentes de motocicleta em pequenos municípios do Norte e do Nordeste. Na África, pelo pouco que vi em Luanda, é muito pior. Os acidentes de motocicleta estão ligados a vários fenômenos culturais, políticos, econômicos e climáticos, e cada um deles é mais relevantes nos Trópicos. É preciso lembrar que as populações tropicais são relativamente recém-chegadas nas cidades, onde a vida é muito mais complexa, pois a transição demográfica do campo para as cidades ocorreu mais recentemente ou não se completou. Muitas destas pessoas não tiveram as mesmas oportunidades de educação e assim, podem não compreender, ou incorporar, a importância das leis de trânsito. Tendem mais a não cumprir normas e rotinas.

Além disto, o tamanho do estado perante a sociedade, nos Trópicos, é menor, mais frágil, e nem sempre tem o poder de impor as leis. Como muitos dos estados tropicais são oligárquicos, tendem a abandonar as populações mais pobres à sua própria sorte, como foi o caso das favelas do Rio durante décadas, justamente aquelas que mais necessitam da proteção das leis. Assim, os cidadãos não se habituam a seguir normas que os protegeriam. Pessoas sem habilitação para dirigir, indivíduos alcoolizados, e até mesmo crianças dirigindo, fazem o ambiente perfeito para a tragédia das motos nos países tropicais.

As motocicletas são um bem em si, como todo avanço tecnológico. Em muito agilizam a vida nas cidades, particularmente nas cidades tropicais, com o seu trânsito caótico, que é devido à falta dos recursos para os investimentos urbanos que facilitariam o tráfego de veículos. Assim, motocicletas representam uma ferramenta indispensável na vida urbana nos Trópicos. Com o rápido crescimento econômico de algumas nações tropicais, tornaram-se mais acessíveis para pessoas mais pobres, e muito mais comuns. Hoje, se constituem em uma proporção muito significativa da frota. E a tendência é aumentar, inundar os Trópicos.

Finalmente, o clima tropical é mais favorável ao uso de moto. Com exceção das chuvas, a ausência do frio e da neve faz das motocicletas um veículo ideal para o traslado rápido de pessoas e de pequenas entregas de mercadorias nos países tropicais. As motocicletas são os novos cavalos, os cavalos urbanos que estão enlouquecidos. E o que se vê, é apenas o começo. Com o aumento da renda nos trópicos, a importância econômica e a adequação ao clima, as motocicletas serão a grande maioria dos veículos e as mortes serão como a de um genocídio.

Desta forma, a SBMT vê não só os acidentes de motocicleta, mas a violência urbana como um todo, como um problema tropical e deve liderar a advocacia para proteger as pessoas das suas conseqüências e lutar para preveni-las.

SBMT: Mas sendo a SBMT uma sociedade constituída principalmente por médicos com treinamento em doenças infecciosas, como pode entrar nesta área?
Dr. Carlos: A SBMT não é constituída apenas por médicos especialistas em doenças infecciosas. A Medicina Tropical não pode ser confundida como Infectologia, nem como Parasitologia Clínica, pois está muito além. A Medicina Tropical é a medicina dos Trópicos, para os Trópicos. Muitos dos médicos que se dedicam a ela são clínicos, pediatras, cirurgiões, dermatologistas, pneumologistas, cardiologistas, hematologistas, entre várias outras especialidades, que cuidam de doenças como pênfigo foliáceo, câncer de pele, doenças respiratórias relacionadas a poluição, anemia falciforme, bócio endêmico, desnutrição, etc. Além disto, muitos não são médicos, são biólogos, epidemiologistas e cientistas sociais que têm muito a contribuir para o conhecimento do assunto, pois a Medicina Tropical não apenas uma especialidade médica, é uma disciplina, uma grande disciplina que dedica-se a 40% da humanidade, aquela que vive nos trópicos.

É justamente este o papel da SBMT: agregar conhecimento no tema. Precisamos saber mais sobre a epidemiologia dos acidentes de motocicleta para estabelecermos políticas públicas eficazes. É preciso saber os principais tipos de lesões para oferecermos os melhores tratamentos e equiparmos as unidades de urgência. É preciso saber como educar, como enviar mensagens que sejam de fato incorporadas por aqueles que dirigem motocicletas. Para tal, a SBMT tem o dever de participar do esforço coletivo de reunir novos profissionais e pesquisadores, como traumatologistas, ortopedistas, fisioterapeutas, neurologistas e neurocirurgiões, cirurgiões plásticos, educadores, legisladores, profissionais do trânsito e de muitos outros em torno do problema da violência no trânsito nos Trópicos. Definitivamente, a Medicina Tropical, particularmente a Medicina Tropical urbana, não é propriedade exclusiva dos que lidam com doenças infecciosas, mas, por ser essencialmente multidisciplinar, envolve a todos aqueles que estão preocupados com os problemas de saúde dos trópicos.