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Transtornos mentais geram pessoas negligenciadasMental disorders lead to neglected people

16/11/2012

Transtornos

Sabe-se que a baixa renda está associada a uma frequência maior de doenças mentais, embora não esteja claro até que ponto a pobreza é causa ou consequência delas

 

Apesar dos avanços da psiquiatria, nos últimos anos, e embora as doenças mentais tenham recebido cada vez mais atenção, as pessoas que sofrem de algum tipo de transtorno continuam sendo negligenciadas. Essa questão tem raízes na própria história da psiquiatria, segundo a Dra. Ana Luísa Lamounier Costa, médica psiquiatra na Secretaria de Saúde do Distrito Federal e mestranda de Filosofia na Universidade de Brasília (UnB). “Somente com Phillippe Pinel, no século XVIII, houve uma tentativa de classificar e tratar as doenças mentais, e não somente isolar os doentes nos manicômios, onde eram frequentemente tratados com violência”, lembra a especialista ao observar que, além disso, pessoas com transtornos mentais muitas vezes apresentam comprometimento em sua capacidade de expressar-se, de socializar-se e, por conseguinte, de lutar por melhores condições de assistência em saúde.

Para Dra. Ana Luísa, os indivíduos com problemas mentais são estigmatizados e, muitas vezes, rechaçados do convívio social. Ela explica que pouco se fala abertamente sobre os transtornos mentais, que muitas vezes são associados ao comportamento violento, gerando medo e rejeição das pessoas próximas. “Existe uma crença ainda presente que os transtornos mentais não sejam doenças propriamente ditas, mas falhas de caráter das pessoas que delas sofrem, de modo que muitos pacientes e famílias se envergonham do próprio diagnóstico”, analisa a médica psiquiatra ao afirmar que muitas pessoas ainda têm a crença de que as doenças mentais tenham causas místico-religiosas, fazendo com que os pacientes busquem atendimento médico apenas como último recurso. A especialista defende, para mudar o quadro, a necessidade de abordar as doenças mentais de forma ampla, levando à população um conhecimento livre de preconceito.

“Estudos populacionais mostram que os problemas mentais mais frequentes na população são os transtornos de ansiedade, os transtornos de humor, principalmente a depressão e os transtornos por abuso de substância, em especial o alcoolismo”, aponta Dra. Ana Luísa ao comentar que, tipicamente, as doenças psiquiátricas são multifatoriais. “Embora haja fatores constitucionais envolvidos, inclusive genéticos, a influência do meio é considerável”, pondera.

Então, uma vez que o ambiente pode influenciar, seria correto afirmar que populações de países de média e baixa renda têm maior possibilidade de vir a ter algum tipo de transtorno mental, certo? De acordo com a especialista, os estudos epidemiológicos sobre os transtornos mentais são escassos e concentrados na América do Norte e Europa. “Os raros estudos existentes sugerem que exista uma variabilidade global na prevalência de algumas doenças, sendo os transtornos ansiosos mais comuns em países de maior renda e em zonas de conflito e os transtornos depressivos mais frequentes em países de baixa renda”, assinala ao considerar que, dentro do mesmo país, sabe-se que a baixa renda está associada a uma frequência maior de doenças mentais, embora não esteja claro até que ponto a pobreza é causa ou consequência delas.

Mesmo o transtorno mental não sendo resultado direto de pressões diárias, Dra. Ana Luísa adverte que privação de sono, carga excessiva de trabalho, falta de tempo para o lazer, exposição à violência e pobreza são fatores que podem favorecer o surgimento ou agravamento de alguns sintomas, principalmente de ansiedade e depressão. “Os mecanismos neurofisiológicos são pouco compreendidos, mas provavelmente se relacionam às vias noradrenérgicas e serotoninérgicas”, diz a médica psiquiátrica ao realçar que, para prevenir, é fundamental reservar tempo para o sono e o lazer, o que tem se tornado cada vez mais raro nos grandes centros urbanos.

“Políticas públicas de prevenção à violência e redução da pobreza são igualmente importantes”, acrescenta ao destacar que estudos sugerem que a depressão tem aumentado ao longo do tempo. “Não está claro se isso se deve a um real aumento, a uma maior detecção ou à mudança de critérios diagnósticos.” A ansiedade e a depressão estão entre as principais causas de morbidade e incapacidade para o trabalho, conforme informa a especialista ao lembrar que ambos os transtornos são passíveis de remissão com o tratamento médico adequado.

Na avaliação da Dra. Ana Luísa, apesar do movimento da reforma psiquiátrica, os serviços de atendimento psiquiátrico permanecem, em muitos casos, separados dos demais serviços de saúde, reforçando o preconceito de que doentes mentais devem permanecer à parte do restante da sociedade. Ela acredita que esse quadro pode ser revertido garantindo maior acesso da população aos serviços de saúde mental e à integração destes aos serviços gerais de saúde, diminuindo a segregação dos doentes mentais. “Muitos transtornos mentais, como esquizofrenia, transtorno obsessivo-compulsivo e transtorno bipolar, apresentam evolução crônica, mas os sintomas podem melhorar e até mesmo remitir com o tratamento”, assegura a especialista ao pontuar que existem, ainda, quadros autolimitados e com remissão espontânea, como as psicoses breves e os transtornos dissociativos. “A decisão do melhor tratamento a ser instituído deve ser feita individualmente, pelo médico psiquiatra”, alerta.

Transtornos mentais nos Trópicos
A psiquiatria transcultural é um ramo da psiquiatria que estuda as manifestações psiquiátricas dentro de culturas específicas. Embora não existam problemas mentais típicos dos trópicos ou dos países pobres, em culturas não ocidentais essas manifestações podem assumir características muito diferentes das estudadas pela psiquiatria tradicional. “Isso ocorre porque os próprios sintomas das doenças mentais são moldáveis pelo ambiente cultural. As principais classificações das doenças psiquiátricas, o DSM-IV e a CID-10, foram desenvolvidas com um foco nas doenças mentais do ocidente, principalmente os Estados Unidos e a Europa. Da mesma forma, a maioria dos questionários aplicados em psiquiatria não foi validada para culturas fora dessas regiões”, critica a especialista ao garantir que, por esse motivo, a psiquiatria tradicional carece de instrumentos que permitam uma compreensão e uma avaliação epidemiológica precisa das doenças mentais em culturas não ocidentais.

Transtornos

It is known that low income is associated with a higher incidence of mental illnesses, although it is unclear to what extent poverty is a cause or consequence

 

Despite advances in psychiatry in recent years, and although mental disorders have received more attention, people suffering from some kind of disorder are still neglected. This issue has roots in the history of psychiatry, according to Dr. Ana Luísa Lamounier Costa, psychiatrist at the Health Ministry, Federal District, and master of Philosophy at the University of Brasilia (UNB). “Only with Phillippe Pinel, in the eighteenth century, was there an attempt to classify and treat mental illnesses, and not only isolate patients in asylums, where they were often treated with violence”, says the expert. She notes that, in addition, people with mental disorders often have an impaired ability to express themselves, to socialize and, therefore, to fight for better conditions of health care.

Dr. Ana Luisa believes that individuals with mental health problems are stigmatized and often rejected by society. She explains that little is spoken openly about mental disorders, which are often associated with violent behavior, generating fear and rejection from close ones. “There is still this belief that mental disorders are not diseases per se, but character flaws of the people who suffer from them, so that many patients and families are ashamed of their own diagnosis”, says the psychiatrist. She explains that many people still believe that mental illnesses have mystical-religious causes, causing patients to seek medical care only as a last resort. The expert argues that to change this scenario, mental illness must be addressed broadly, to educate the population in a way that is free from prejudice.

“Population studies show that the most frequent mental problems in the population are anxiety disorders, mood disorders (particularly depression) and substance abuse disorders (especially alcoholism)”, says Dr. Ana Luisa. She comments that typically, psychiatric diseases are multifactorial. “Although there are constitutional factors involved, including genetic ones, the influence of environment is considerable”, she adds.

So, since the environment can be influential, would it be correct to say that populations of middle and low income countries have a higher chance of getting some kind of mental disorder? According to the expert, epidemiological studies of mental disorders are scarce and concentrated in North America and Europe. “The few studies that do exist suggest that there is a global variability in the prevalence of some diseases, with anxiety disorders more common in countries with higher income and in conflict zones and depressive disorders more common in low-income countries”, she says. Within a single country, it is known that low income is associated with a higher incidence of mental illness, although it is unclear to what extent poverty is a cause or consequence.

Even if a mental disorder is not a direct result of daily pressures, Dr. Ana Luísa warns that sleep deprivation, excessive workload, lack of time for leisure, exposure to violence and poverty are factors that may favor the emergence or worsening of some symptoms, especially anxiety and depression. “The neurophysiological mechanisms are poorly understood, but probably related to serotonergic and noradrenergic pathways”, says the medical psychiatric who stresses that, for prevention, it is essential to set aside time for sleep and leisure, which has become increasingly rare in large urban centers.

“Public policies for prevention of violence and reduction of poverty are equally important”, she adds, noting that studies suggest that depression has increased over time. “It is unclear whether this is due to a real increase, better detection or changes in diagnostic criteria.” Anxiety and depression are among the leading causes of morbidity and incapacity for work, according to the expert. She says that both of these disorders can be reversed with appropriate medical treatment.

In Dr. Ana Luísa’s opinion, despite the psychiatric reform movement, psychiatric care services remain, in many cases, separate from other health services, reinforcing the prejudice that the mentally ill should stay apart from the rest of society. She believes that this situation can be reversed to endure greater public access to mental health services and integration with general health services, reducing the segregation of the mentally ill. “Many mental disorders, such as schizophrenia, obsessive-compulsive disorder and bipolar disorder, have a chronic evolution, but symptoms may improve and even remit with treatment”, says the expert . She points out that there are also self-limiting cases with spontaneous remission, such as brief psychoses and dissociative disorders. “The decision about the best treatment to be instituted should be made individually by a psychiatrist”, she warns.

Mental disorders in the Tropics
Transcultural psychiatry is a branch of psychiatry that studies psychiatric manifestations within specific cultures. Although there are no mental problems typical of the tropics or poor countries, in non-Western cultures these manifestations can have different characteristics from those studied in traditional psychiatry. “This is because the actual symptoms of mental illness are moldable by the cultural environment. The main classifications of psychiatric disorders, DSM-IV and ICD-10, were developed with a focus on mental illness in the West, primarily in the United States and Europe. Likewise, most of the questionnaires in psychiatry have not been validated for cultures outside these regions”, criticizes the expert, who ensures that, for this reason, traditional psychiatry lacks tools for an understanding and an accurate epidemiological assessment of mental illness in non-Western cultures.