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Chagas: entre o esquecimento e a oportunidadeChagas: Caught Between Neglect and Opportunity

Por Coalizão Global contra a Doença de Chagas

14/04/2015

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A data em que se comemora o Dia Internacional da luta contra o Chagas, 14 de abril, representa uma boa oportunidade para falarmos sobre Noelia. Noelia nasceu na Bolívia há 10 anos, na região do Chaco, na cidade de Tarija. Este mundo é frio! foram as palavras usadas pelo enfermeiro Demetrio para lhe dar as boas-vindas, referindo-se às dificuldades que ela enfrentaria no mundo. Mesmo tendo nascido no seio de uma comunidade indígena ameaçada pela doença de Chagas, a menina teve sorte, já que, graças a um projeto piloto implantado na província, pôde ser diagnosticada. Em outros lugares, os recém-nascidos nem sempre têm tanta sorte e, em muitos casos, não são diagnosticados. Apesar dos avanços alcançados ao longo dos últimos anos, principalmente no que se refere ao controle da doença, o risco de que as mães transmitam Chagas aos seus filhos é muito alto e o acesso ao diagnóstico e ao tratamento ainda é incomum.

Aproveitando este dia, e como fazemos também ao longo do ano, queremos refletir sobre a razão de em 2015, 99% dos pacientes permanecerem sem acesso ao diagnóstico e ao tratamento.  Uma doença que atinge cerca de 6 milhões de pessoas, continua ameaçando outras 70 milhões que vivem em áreas com risco de contaminação, e que a cada ano tira 10.000 vidas.

Estamos diante de uma crise de saúde pública silenciosa e silenciada. Silenciosa porque para dois terços das pessoas infectadas, a doença é assintomática por muitos anos. Silenciosa, também, porque afeta principalmente as pessoas mais pobres e vulneráveis, muitas vezes sem voz para se fazerem ouvir e poderem reclamar o direito de serem tratadas. Silenciada porque a extensão do problema não está clara e não há consenso com relação aos números.

Avanços dos últimos anos

Em termos de controle, muitos progressos foram feitos desde os anos 90. A luta pelo controle vetorial tem alcançado bons resultados, inclusive chegando a cessar a transmissão em algumas regiões. Com relação aos bancos de sangue, o avanço tem sido igualmente grande, embora o grande desafio pendente seja o controle e a prevenção da transmissão congênita. Ainda que, de 3 a 5% das mulheres infectadas transmitam a doença aos filhos, o exame e o tratamento dos recém-nascidos não são muito comuns em países onde a doença está presente.

Vontade política para combater a doença

Existe grande negligência na luta contra a doença de Chagas, no acesso ao diagnóstico e no tratamento dos pacientes infectados. Em 2010, a OMS emitiu uma recomendação para que os países integrassem o atendimento aos pacientes de Chagas aos sistemas de atendimento de saúde. Em 2012, junto à Declaração de Londres confirmou-se o compromisso com a luta contra as doenças negligenciadas e foi apresentado o roteiro para combater o Chagas até 2020, buscando maior compromisso por parte dos principais responsáveis pelo combate à doença. Em 2015, restando apenas cinco anos para o fim do prazo fixado, os resultados em termos de tratamento ainda não são suficientes. O compromisso político deve sustentar ações ainda mais concretas que resultem no aumento do número de pacientes tratados.

No ritmo em que avançamos, levará anos para tratar todos os pacientes de Chagas. Os esforços isolados e dispersos, sem uma sólida liderança dos governos dos países afetados, continuarão a proporcionar resultados pouco animadores. Os avanços com relação ao controle da doença mostram que as iniciativas conjuntas de colaboração conseguem alcançar bons resultados. O exemplo da iniciativa liderada pela OPAS (Organização Pan Americana de Saúde) para o controle da doença mostra que é possível traduzir a prioridade dos governos em recursos adicionais, em maior participação institucional e em expansão das atividades. Com base em sua experiência, é necessário um objetivo claro e compartilhado, dados adequados sobre os quais basear as decisões, assim como conhecimento quantitativo e qualitativo amplo da doença. Se quisermos ver uma diferença nos próximos cinco anos, temos de promover uma mudança radical na forma como enfrentamos o desafio do diagnóstico e do tratamento. Os principais desafios são:

  1. Transformar a vontade política em soluções concretas.  Mais recursos para programas integrais de tratamento e controle, assim como para a pesquisa e o desenvolvimento de novas soluções.
  2. Sustentar e ampliar os esforços no controle da doença adaptados aos novos cenários epidemiológicos
  3. Assegurar a separação das pessoas com maiores riscos de contaminação e o acesso a tratamento de todos os pacientes
  4. Pesquisa e desenvolvimento de novos medicamentos mais fáceis de administrar, assim como de novas ferramentas de diagnóstico e acompanhamento da doença.
  5. 5.     Estudos mais confiáveis sobre a prevalência e sistemas de detecção, notificação e relatórios fidedignos.

Somente alcançaremos o objetivo de aliviar o sofrimento humano causado pelo Chagas ao unirmos esforços em uma grande aliança na  luta contra a doença. Este é o sonho da Coalizão Global contra o Chagas, uma aliança aberta, ambiciosa e colaborativa que, através da promoção de esforços de colaboração conjuntos e do intercâmbio de conhecimento e experiência, consegue mobilizar capacidades e recursos para aumentar o acesso ao diagnóstico e ao tratamento e incentivar a pesquisa e a investigação de soluções efetivas.

Existem motivos para o otimismo. A liderança do Governo Indiano na luta para eliminar o calazar, outra doença negligenciada endêmica no país, é um exemplo inspirador. Em torno de uma agenda comum, uniram-se os esforços de todos os parceiros desta iniciativa mostrando, em poucos anos, resultados surpreendentes com relação ao número de pacientes tratados. A doença deChagas requer uma iniciativa semelhante no acesso ao diagnóstico e tratamento. O tratamento de pacientes com Chagas é um direito de milhares de pessoas afetadas, uma questão de saúde pública, porém, se este motivo não for suficiente, também indica um investimento que economiza dinheiro para o sistema, melhora a qualidade de vida e reduz as perdas de produtividade que esta doença provoca.  É definitivamente uma sábia decisão e um compromisso a ser cumprido.

Os países da América Latina têm um papel importantíssimo na liderança deste compromisso, sendo a Doença de Chagas um problema de saúde pública na região. Uma estratégia que reúne esforços, tal como proposto pela Coalizão Global contra a Doença de Chagas, guiada por um roteiro comum focado no paciente para combater a doença. A criação da Federação Internacional de Pacientes de Chagas (FINDECHAGAS) é um marco que, certamente, desempenhará um papel catalisador neste cenário, bem como outras iniciativas.

O nosso objetivo é que, em 10 anos, quando Noelia olhar ao seu redor, possa perceber que a situação finalmente mudou. 

 DNDi_Bolivia_Chagas_COR-108Today, 14 April, International Chagas Day, is an appropriate day to talk about Noelia, a little girl who was born ten years ago in the Chaco Tarijeño region of Bolivia. “Its a cold world out here!” were the words with which Demetrio—the nurse who attended her birth—welcomed Noelia, alluding to the difficulties she would face. She was born into an indigenous community threatened by Chagas disease. Even so, she was lucky in that, thanks to a pilot project under way in the province where she lived, her Chagas infection was diagnosed. Elsewhere, newborn babies are not so lucky, and in many cases their disease is never detected. Despite progress in recent years, particularly as regards to Chagas disease control, the risk of vertical transmission from a mother to her child, remains high, and ten years on access to diagnosis and treatment of the disease is still not guaranteed.

To mark this important day, we want to reflect—as we do all year round—on why, in 2015, 99% of patients with Chagas disease still lack access to diagnosis and treatment.  A disease that affects around 6 million people and claims 10,000 lives each year continues to threaten a further 70 million people who live at risk of infection.

This is a public health crisis that is both silent and silenced. The problem is silent because the infection is asymptomatic for many years in one-third of those infected and never causes symptoms in the other two-thirds. It is silent because the disease primarily affects only the poorest and most vulnerable people, communities which have no voice that they can use to be heard or to claim their right to treatment. And the crisis can be described as silenced because the magnitude of the problem remains unknown: there is no consensus on the number of people affected. Given the low level of diagnosis in at-risk populations and the lack of effective mechanisms for collecting and reporting information, the number of those affected may be underestimated.

Progress in Recent Years

In the area of disease control, a great deal of progress has been made since the 1990s. Efforts focused on vector control have achieved good results and have even managed to interrupt transmission in some regions. Good progress has also been made in the control and screening of blood banks. The greatest remaining challenge is the prevention of congenital transmission of Chagas disease. In spite of the fact that between 3% and 5% of women infected with Chagas disease transmit the infection to their babies, screening and treatment of newborn babies is still not a widespread practice in the countries where the disease is found.

The Political Will to Fight Chagas Disease

One aspect of the problem that has been consistently neglected in the initiatives undertaken to combat Chagas disease is access to diagnosis and treatment for infected patients. In 2010, the WHO recommended that countries should incorporate the care of patients with Chagas disease into their national health systems. In 2012, with the London Declaration on Neglected Tropical Diseases, the commitment to fight neglected diseases was confirmed and a roadmap outlining the fight against Chagas up to 2020 was presented, two events that presaged greater commitment to fighting the disease on the part of the key actors. Today, with only five years to go before the target date, the results achieved in terms of treatment are inadequate.  Political commitment must be translated into concrete actions that will increase the number of patients receiving treatment.

At the current rate, it will take years before all patients with Chagas disease are treated. Isolated interventions and piecemeal efforts that lack strong leadership from the governments of the countries affected will continue to yield disappointing results. The progress made in disease control has shown that joint collaborative efforts do achieve results. The example of the initiative led by the Pan American Health Organization to strengthen the efforts to control Chagas disease has shown that it is possible to translate governments’ prioritization of an issue into additional resources, greater institutional participation, and an expansion of activities. That experience would appear to indicate that the elements required are a clear common goal, the necessary data to inform decisions, and a thorough quantitative and qualitative understanding of the disease. If we want to see a difference within the next five years, we must seek to radically change the way we are tackling the problem of the diagnosis and management of Chagas disease.

There are five main challenges:

1. To translate political will into concrete solutions.  More resources for integrated treatment and control programmes, research efforts, and for developing new solutions.

2. To maintain and expand disease control efforts, taking into account the new epidemiological scenarios.

3. To ensure that all those at risk are screened and to guarantee access to treatment for all patients.

4. To research and develop new therapies that are easier to administer and new tools for the diagnosis and follow-up of patients with the disease.

5. To undertake studies to obtain more reliable data on prevalence and put in place better systems for detecting, notifying and reporting cases.

The only way to alleviate the human suffering caused by Chagas disease is to join forces in a broad alliance to combat the disease. This is the dream of the Global Chagas Disease Coalition, an open, ambitious and collaborative alliance which, by promoting collaboration, joint initiatives and the exchange of knowledge and experience, mobilizes capacities and resources in order to improve access to diagnosis and treatment and to provide greater incentives for research and the development of effective solutions.

There are reasons for hope. One inspiring examples is the leadership of the Indian Government in the fight to eliminate kala azar, a forgotten disease endemic in that country. They used a  common agenda to concentrate the efforts of all the partners in this initiative and, in just a few years, achieved a surprising increase in the number of patients treated. A similar initiative is needed to scale up the diagnosis and treatment of Chagas disease. Treating Chagas disease is a public health issue and the millions of affected patients have a right to treatment. If that were not sufficient reason, it is also a money-saving investment that improves quality-of-life and reduces the productivity losses caused by the disease. Investing in treatment is certainly a wise decision and something that has not yet happened.

The Latin American countries must play a central role in leading this effort since the disease is a public health problem in that region. What is needed is a strategy that unites the efforts of all those working to combat this disease, such as the one proposed by the Global Chagas Disease Coalition, guided by a common, patient-centred roadmap. The International Federation of People Affected by Chagas Disease (FINDECHAGAS) is a framework that will surely play a catalytic role in this setting, as will other initiatives.

This is our ambition—that in another 10 years Noelia may look around her and think, “Now, at last, things have changed!”