Notícias

Democracia é essencial para mudar a ciência nos países tropicaisDemocracy is essential to change Science in tropical countries

A maioria das sociedades de Medicina Tropical no mundo está, ironicamente, fora dos Trópicos. Most Tropical Medicine societies are, ironically, out of the tropics. This situation owes to the colonial origins of Tropical Medicine

17/06/2014

img-dem

Independência científica dos Trópicos, investimentos maiores, profissionais mais focados no bem-estar coletivo e auxílio da imprensa são fundamentais para a mudança

A maioria das sociedades de Medicina Tropical no mundo está, ironicamente, fora dos Trópicos. Tal situação deve-se à origem colonial da Medicina Tropical, dedicada aos interesses imperiais das metrópoles na Europa Ocidental e nos Estados Unidos, onde foram criadas as primeiras sociedades, após a London School of Tropical Medicine. Outro fato que explica a concentração de Medicina Tropical nos países não tropicais é que a maioria esmagadora da ciência de melhor qualidade é feita fora dos Trópicos; tornando as nações fora desse eixo dependentes de uma ciência que não vive de perto as mazelas sanitárias dos povos tropicais. É preciso superar esta situação para que os países tropicais se apropriem de fato da Medicina Tropical. “Não podemos mais nos ver como imagens espelhadas nos países ricos, mas como nós mesmos. Nós, povos tropicais, precisamos aprender a ser independentes cultural e intelectualmente e elegermos as nossas prioridades, para só, então fazermos nossas próprias escolhas”, declara o ex-presidente da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical (SBMT) entre 2011 e 2013 e professor da Universidade Federal do Piauí (UFPI), Dr. Carlos Costa.

Atualmente, o cenário das doenças tropicais, antes predominantemente do ambiente rural e dominado pelas doenças infecciosas, é urbano e com grande participação das causas externas entre as causas de morbi-mortalidade. Doenças urbanas como a dengue e a leishmaniose visceral, infecciosas, e como a violência, o crack, e os acidentes de motocicleta devem se juntar às tradicionais como a doença de Chagas, a esquistossomose e a malária. A mudança do perfil mórbido tropical, doe rural para urbano, ocorreu após a chamada Revolução Verde, em que a descoberta de tecnologias baratas permitiu aumentar a produção agrícola em larga escala, obrigando pequenos produtores nos Trópicos – que não tinham como concorrer com grandes empresas – a migrarem para as cidades, que se tornaram, então, ambientes inóspitos, paupérrimos, incapazes de absorver a imigração em massa. Todo este drama se desenrolava em nações que não haviam amadurecido ainda para a democracia, sendo dominadas por oligarquias, onde os mais pobres não são, ou são pouco protegidos pelo Estado.

De acordo com Dr. Carlos, somado ao binômio calor e pobreza, esse processo desencadeou um cenário que os brasileiros conhecem bem. “Vivemos em ambientes urbanos de violência ensandecida, com um Estado pouco presente e onde grande parte população é excluída dos domínios do estado”. A situação é muito pior entre outras nações tropicais da América Latina e Caribe, da África e do Sul da Ásia. Segundo o cientista, formado em Saúde Pública Tropical em 1997 pela Universidade de Harvard, é preciso haver mudanças drásticas no panorama científico e social nos países em desenvolvimento e subdesenvolvidos.

“É necessária uma revolução no pensamento. Temos que entender e encarar essa dinâmica das epidemias e da violência, intencional e não intencional, na qual estamos encarcerados e encontrar saídas. A Medicina Tropical necessita liderar este movimento, pois representa a linha de frente dos interesses sanitários dos Trópicos. Esta transformação precisa ser feita por meio de pesquisas de boa qualidade, focadas nas populações mais pobres e não apenas nas prioridades eleitas fora dos Trópicos. O processo só poderá ocorrer por meio de instituições fortes, dedicadas aos interesses da maioria, com a participação da comunidade científica organizada. Com isto, nós mesmos, povos tropicais, poderemos identificar e elegermos os nossos problemas prioritários”, explica.

A independência cultural dos Trópicos em relação aos países do hemisfério Norte e o maior envolvimento científico são soluções apontadas, juntamente com investimentos maiores, com pesquisadores mais focados no bem-estar coletivo e com auxílio da imprensa na disseminação do espírito de mudança. “Tal revolução só ocorrerá com a democratização plena das nações tropicais, a partir da liberdade de pensamento e da prática da democracia pela população menos favorecida, pois, afinal, há uma longa distância entre constituição e democracia”, complementa.

Ainda segundo Dr. Carlos, a SBMT tem procurado se inserir de forma pró-ativa nesse processo, entendendo que a Medicina Tropical brasileira não se restringe ao Brasil, voltada apenas para os povos do interior. “Esta é uma grande nação e o que fizermos aqui dentro terá repercussão internacional. Precisamos ter uma visão cosmopolita, transtropical. Por isso, o portal da Sociedade  também está redigido em inglês, para globalizar o que discutimos por aqui. Trouxemos para nós a responsabilidade de fazer um contraponto à Medicina Tropical praticada no mundo atualmente (mas não oposição, preservando intacto o espírito de colaboração científica com os países ricos). Não são os outros que têm que dizer quais são os nossos problemas e, sim, nós mesmos. Se conseguirmos disseminar essa ideologia nos demais países tropicais, estaremos cumprindo um grande trabalho em favor dos povos mais pobres da Terra”, finaliza.

img-dem

Scientific independence of the Tropics, deeper investments, researchers focused in the collective well-being and the press’ support are fundamental for the change

Most Tropical Medicine societies are, ironically, out of the tropics. This situation owes to the colonial origins of Tropical Medicine, dedicated to the imperial interests of the Eastern Europe large cities and the United States, and later the London School of Tropical Medicine. Another fact that explains the concentration of Tropical Medicine in non-tropical countries is that the vast majority of the best quality science is made outside of the Tropics, and this makes the nations beyond this axis dependent of a science that does not share the sanitary flaws with the tropical people. This situation must be surpassed so the tropical countries can effectively appropriate Tropical Medicine. “We cannot see ourselves as reflected images of the rich people, but as we really are. Us, tropical people, need to learn to be culturally and intellectually independent and elect our own priorities so we can make our own choices”, declares the former president of the Brazilian Society of Tropical Medicine (BSTM), from 2011 to 2013 and professor of the Federal University of Piaui.

Currently, the tropical disease’s scenario, previously predominant in rural and dominated by infectious diseases environment, is urban and with large participation of external factors among the morbi-mortality causes. Urban Diseases as dengue fever and visceral leishmaniasis, infectious diseases and violence, crack cocaine and motorcycle accidents should join Chagas disease, schistosomiasis and malaria. The change in the morbid tropical profile, from rural to urban, started after the called Green Revolution, when the discovery of cheap technologies allowed the agricultural production to raise in large scale, forcing the small producers of the Tropics – who had no chance competing with the large companies – to migrate to the cities. These, had become inhospitable environments, extremely poor and unable to absorb the mass migration. All this drama was takin place in nations not yet awake to democracy, being dominated by oligarchies, where the poorest are little or not protected by the State.

According to Dr. Carlos, added to the heat-poverty binomial, this process launched a well-known scenario among Brazilians. “We live in insane violence urban environments, with a non-present State and where great part of the population is excluded from the state’s domain”. This situation is much worse in other Latin American and Carribbean nations, South Africa and South Asia. According to the expert, PhD in Tropical Public Health from Harvard University, it is imperative that drastic changes happen in the scientific and social panoramas in developing and undeveloped countries.

“We need a thinking revolution. We must understand and face the epidemic’s and violence’s – whether intentional or not – dynamics in which we are imprisoned and find the exits. Tropical Medicine must lead this movement, because it represents the front-line of the Tropical sanitary interests. This transformation must be achieved through quality research, focused in the poorest populations and not only in the priorities elected out of the Tropics. The process will only happen with strong institutions, dedicated to the majorities’ interests, with help from the organized scientific community. Once we have this, we, tropical people, will be able to identify and elect our own priority problems”, explains.

The Tropics cultural independence from the Northern hemisphere countries and greater scientific enrollment are pinned solutions, along with deeper investments, with researchers focused in the collective well-being and supported by the press to disseminate the change spirit. “Such revolution will only happen along with the full democratization of the tropical nations, starting from the freedom of thought and democracy exercised by the least favored populations, because, after all, there is a long distance between constitution and democracy”, complements.

Dr. Carlos still says, the BSTM has tried to insert itself in the process in a pro-active way, understanding that Tropical Medicine is not restricted to Brazil, or meant only to the interior populations. “This is a large nation and what we do here will have international repercussion. We need a cosmopolitan vision, a transtropical vision. For this, the Society’s portal  is also written in English, to globalize our local discussions. We have brought to ourselves the responsibility to act as a counterpoint to the current Tropical Medicine practiced in the world (but not against it, keeping the scientific cooperation spirit intact along with the rich countries. Our problems are not supposed to be taught by the others, but by ourselves. If we are able to disseminate this ideology to the other tropical countries, we will be doing a very good job in favour of the poorest people on Earth”, finishes.