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MEDTROP 2016 mostrou tamanho das dificuldades do Brasil profundo

Evento se realizou em meio a um cenário de crise política e econômica, com o maior financiador das pesquisas e tratamentos para as doenças negligenciadas saindo de cena – o governo

24/08/2016

materia-finalO diagnóstico realizado na abertura do Congresso pelo Presidente da SBMT, Dr. Marcus Lacerda, foi preciso, dolorido e seguiu reverberando durante os quatro dias do evento: O Zika mostrou ao mundo as nossas mazelas mais profundas, entretanto, mostrou também que o Brasil tem autossuficiência científica para dar respostas em saúde pública e não precisa da tutela internacional para isso. Foi o epicentro da epidemia, mas também o epicentro da resposta. A epidemia escancarou as nossas contradições: a capacidade de dar uma resposta rápida ao problema e a incapacidade de lidar com a nossa pobreza, nossas moradias precárias e o “nosso” Aedes. Cedo ou tarde a cobrança viria. E veio: Temos enfrentado uma epidemia significativa no contexto brasileiro, onde é a segunda vez que o governo usa o artifício do decreto da emergência sanitária de interesse nacional devido ao aumento dos casos de microcefalia no nordeste do País.

Sobre o tema, 52º MedTrop trouxe importantes mesas onde foram debatidas a vanguarda desta epidemia associada com o Zika discutindo vários aspectos do contexto da infecção do vírus e suas associações com a de microcefalia. Foram apresentados desde o contexto histórico, onde o vírus foi encontrado, a sua movimentação para o Brasil e junto com isso a epidemia de maior escala que aconteceu no mundo, registrada no Brasil; além das dificuldades para se fazer um bom diagnóstico, fundamental para se ter condições, junto com a clínica, de poder fazer o manejo do paciente, a vigilância e as intervenções realizadas pela política pública para a contenção do vírus.

A Drª Cláudia Nunes Duarte dos Santos lembrou que era óbvio que o Chikungunya e o Zika iriam entrar. “Poderíamos ter a capacidade disparada para resolver essas crises, mas vinte anos depois continuamos não tendo aprendido muito coisa, infelizmente”, lamentou. Mesmo assim, a ciência brasileira junto com os tropicalistas conseguiu de forma surpreendente dar informações significativas no contexto desta epidemia fazendo a associação direta do vírus Zika com o aumento do número de microcefalia. A força da ciência brasileira e da Medicina Tropical garantiu, a partir dessas respostas, dar informações que permitiram trabalhar na vigilância, na epidemiologia e na contenção da doença.

O Congresso também discutiu os desafios da saúde pública, a epidemia de Chikungunya, talvez a mais importante no contexto atual, uma vez que estamos vivenciando a regressão da epidemia de Zika e começamos a enfrentar a de Chikungunya, que traz uma morbidade significativa para a população e devemos também trabalhar com políticas públicas para conter esta doença no País. Mas o Congresso não deixou de trazer ao debate o fato de que muitas cidades e regiões do Brasil enfrentam o desafio de lidar com a esquistossomose, em Alagoas, 60% dos municípios estão com endemia da doença. E ainda enfrentamos a hanseníase, a leishmaniose, a tuberculose, a Doença de Chagas, a malária, e tantas outras doenças tropicais infecciosas e não-infecciosas. Estas, precisam abordar os determinantes sociais da saúde, considerando aspectos como a moradia e a violência urbana como essenciais para o bem-estar. É um campo que pensa a medicina de forma integrada às condições de vida da população. Para os especialistas, fica o desafio de ir além dos discursos e das bandeiras. É necessário propor soluções, sair do isolamento da pesquisa e somar.

Doenças de Chagas: Novo consenso amplia tratamento

Também foi lançado durante o 52º MedTrop, o Novo Consenso Brasileiro em Doença de Chagas. A atividade ocorreu em meio à abertura da XXXI Reunião Anual de Pesquisa Aplicada em Doença de Chagas & XIX Reunião de Pesquisa Aplicada em Leishmanioses, ChagasLeish 2016. O documento reúne dados dos mais recentes estudos e a experiência terapêutica da doença relatada em diversos países, que reforçam as evidências de que o tratamento é capaz de diminuir a chance de transmissão congênita quando mulheres infectadas são tratadas previamente à gestação e atenuar ou retardar o avanço da doença nos casos classificados como indeterminados e sem cardiopatia avançada (consequência comum em cerca de 30% dos casos). Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) revelam que cerca de 1,2 milhão de pessoas estão com a doença de Chagas no Brasil. Estimativas mais atuais apresentadas no consenso revelam que em 2015, por exemplo, tomando-se como base a estimativa de população de 204.450.649 habitantes, havia entre 1.426.994 a 3.357.633 brasileiros infectados por Trypanosoma cruzi. A população estimada com infecção pelo parasito na forma indeterminada variava de 856.197 a 2.014.580 pessoas.

Leishmaniose: Debates devem recomendar medidas de controle para o programa do MS

Leishmaniose também recebeu atenção especial durante os quatro dias do evento. A mesa redonda “Tratamento da Leishmaniose Tegumentar Americana (LTA)”, cooperação entre Fiocruz e Universidade de São Paulo (USP), discutiu manejo da leishmaniose mucosa, o uso do antimonial intra lesional e a reativação da leishmaniose tegumentar em imunodeprimidos não infectados pelo HIV. As diversas palestras realizadas durante a Reunião de Pesquisas Aplicadas de Chagas e Leishmaniose debateram temas relacionados ao diagnóstico; a epidemiologia das duas formas da doença, Tegumentar e Visceral, e as questões relacionadas ao controle envolvendo a caracterização das áreas de transmissão e as espécies de vetores (flebotomíneos). E ainda, os estudos referentes aos reservatórios realizados nas diferentes áreas do País, tanto para a Leishmaniose Visceral como Tegumentar, analisando os aspectos de identificação de espécies envolvidas, comportamento e medidas de controle que estão sendo elaboradas nas pesquisas em andamento voltadas para o melhor entendimento do comportamento dos vetores e dos reservatórios, bem como as ações e os estudos de intervenção que estão sendo realizados, a fim de melhor recomendar medidas de controle para o programa do Ministério da Saúde, além das ações em andamento no âmbito dos municípios e dos estados.

Rede TB atraí projetos colaborativos entre Brasil, Estados Unidos e Europa

Foi realizado concomitante ao 52º MedTrop, o quinto workshop da Rede Brasileira de Pesquisa em Tuberculose (Rede TB), que contou com 13 mini-conferências e 10 mesas redondas. O encontro teve a participação de 20 professores internacionais e diversas seções paralelas para projetos colaborativos entre Brasil, Estados Unidos e Europa. Como resultado do encontro, que acontece a cada dois anos, foi sugerido que em 2018 o workshop possa ser, novamente, realizando em conjunto com o MedTrop. Durante a assembleia da Rede TB, assumiu como vice-presidente o Dr. Júlio Croda. Também houve mudanças na coordenação de áreas específicas de pesquisa e criação de novas áreas.

Os Congressos da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical

O 53º MedTrop já tem local e data confirmados. Ele será realizado em Cuiabá (MT), entre os dias 4 e 7 de junho de 2017. A presidente da edição, Drª. Márcia Hueb, disse estar muito satisfeita pela escolha da capital Mato-grossense. “Sediar um evento com essa magnitude sem dúvida é um desafio, mas tenho certeza de que os resultados do trabalho em equipe e as belezas naturais do estado pantaneiro serão grandes atrativos para o Congresso”, completou. A presidente finalizou reforçando a importância do evento e convida toda a comunidade científica, estudantes e interessados em temas ligados à Medicina Tropical e doenças não-infecciosas a participarem. O 53º MedTrop será no Centro de Eventos do Pantanal, que dispõe de infraestrutura completa para receber mais de 6 mil pessoas.

O MedTrop 2016, recebeu mais de 2.300 pessoas em sua 52º edição, que foi realizada no Centro de Convenções de Maceió (AL), registrando a participação de países como Alemanha, Argentina, Bolívia, Chile, Espanha, Estados Unidos, Uruguai. Palestrantes, professores, pesquisadores e estudantes dos 26 estados brasileiros mais o Distrito Federal também marcaram presença.…