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Mesmo muitas vezes nocivos, parasitos são essenciais para o planeta Although many times harmful, parasites are essential for life in the planet

Em entrevista, Dr. Marcelo Ferreira explica que esses seres podem ter papel importante no controle da população de hospedeiros que competem por recursos finitosIn an interview, Dr. Marcelo Ferreira explains that these beings may play an important role controlling the populations of hosts that compete over finite resources

11/03/2015

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A eliminação exigiria da humanidade novo processo de adaptação, em que a capacidade de resistir a certas infecções, selecionadas ao longo de milhares de anos, deixaria de ter valor adaptativo

Um parasito é, por si só, um ser que toma algo do hospedeiro e não dá nada em troca. Exemplos não faltam, como é o caso da ascaridíase (mais conhecida como lombriga), que quando se desenvolve dentro do corpo humano se instala no intestino delgado, podendo causar ao hospedeiro diarreia, vômitos e obstrução intestinal. No entanto, seria melhor para o homem e demais animais que esses seres não existissem?

Em entrevista à Sociedade Brasileira de Medicina Tropical (SBMT), o doutor em Parasitologia, Marcelo Ferreira, explica a importância dos parasitos em aspectos fundamentais como, por exemplo, o controle populacional. Ainda de acordo com ele, durante milhares de anos, os seres humanos evoluíram junto com vários organismos patogênicos e nos adaptamos a esse convívio. Para o Dr. Ferreira, a “simples eliminação dos parasitos exigiria da humanidade um novo processo de adaptação, diante da situação nova em que a capacidade de resistir a certas infecções – selecionadas ao longo de milhares de anos – deixaria de ter valor adaptativo”.

Veja, abaixo, a entrevista na íntegra:

SBMT: Se os parasitos deixassem de existir de uma hora para a outra, quais seriam as consequências para humanos e animais?

Dr. Marcelo Ferreira: Vamos primeiro definir o que é parasitismo. Literalmente, significa alimentar-se ao lado de. Trata-se de um tipo de simbiose (associação duradoura entre seres vivos de diferentes espécies) em que um dos parceiros (o parasito), geralmente de pequeno porte, obtém algum benefício em detrimento do outro parceiro (o hospedeiro). Pode-se definir como parasitos todos os seres vivos de diferentes grupos taxonômicos (vírus, bactérias, fungos, protozoários, helmintos e artrópodes) que se engajam, durante pelo menos parte de sua vida, em uma associação do tipo parasitária.

O convívio entre parasitos e hospedeiros tem grandes consequências na população de hospedeiros. Por exemplo, muitas infecções por parasitos elevam a mortalidade ou retardam o crescimento dos respectivos hospedeiros. Parasitos em geral, portanto, podem ter um importante papel no controle da população de hospedeiros que competem por recursos finitos. Por outro lado, os parasitos manipulam a resposta imunológica dos hospedeiros de diversos modos — que podem resultar em respostas inflamatórias exacerbadas contra diversos estímulos antigênicos ou mesmo em seu oposto, a indução de certo nível de tolerância.

O cenário mais provável, na hipótese de total desaparecimento das espécies de parasitos conhecidos, seria a sua progressiva substituição por outros seres vivos (simbiontes não parasitários) que passariam a explorar os nichos ecológicos tornados disponíveis, potencialmente passando a causar algum tipo de doença em seus hospedeiros.

SBMT: A não existência de parasitos causaria problemas ao sistema imune?

Dr. Marcelo: Posso dizer que causaria alterações profundas no modo como os hospedeiros respondem a diversos estímulos antigênicos. Os parasitos são importantes fatores de regulação da resposta imunológica dos hospedeiros. O importante é que a infecção por diferentes tipos de hospedeiros têm consequências extremamente diversas — há evidências muito bem estabelecidas de certa atenuação das respostas imunológicas durante a infecção por certos parasitos (especialmente helmintos), bem como de certa exacerbação de respostas imunológicas na vigência de infecção por outros parasitos (por exemplo, por plasmódios). Essa modulação da resposta imunológica afeta o modo como os hospedeiros respondem a outros agentes infecciosos, a vacinas e a alérgenos.

SBMT: Qual a importância dos parasitos para a humanidade?

Dr. Marcelo: Os seres humanos sofreram profundas influências decorrentes do longo convívio com parasitos. Diversos polimorfismos genéticos humanos tornaram-se comuns, pelo menos em certas populações (por exemplo, aqueles associados à anemia falciforme, à talassemia e à ausência do grupo sanguíneo Duffy), em função de seu valor adaptativo na presença de infecções parasitárias. (De fato, todos os exemplos citados acima conferem proteção pelo menos parcial contra a malária.) Portanto, co-evoluímos por muitos milhares de anos com uma ampla gama de organismos patogênicos e nos adaptamos a esse convívio. A simples eliminação dos parasitos exigiria da humanidade um novo processo de adaptação, diante da situação nova em que a capacidade de resistir a certas infecções – selecionadas ao longo de milhares de anos – deixaria de ter valor adaptativo.

SBMT: Há probabilidade de um dia a ciência alcançar tal evolução que seria capaz de eliminar todos os parasitos existentes?

Dr. Marcelo: Eliminar simplesmente todos os parasitos conhecidos não faria sentido, pois o nicho ecológico deixado por eles seria ocupado por outros organismos. Além disso, há parasitos que circulam tanto em seres humanos como em animais (domesticados e silvestres), que constituem um reservatório de infecção. Portanto, em muitos casos não bastaria eliminar as infecções humanas para eliminar os parasitos capazes de infectar seres humanos. Entretanto, há diversos casos em que a eliminação de parasitos específicos é considerada tecnicamente factível. São exemplos bem conhecidos os plasmódios e alguns helmintos, como as tênias, a oncocerca e o verme de Guiné. Entre os vírus, os melhores exemplos são o vírus da varíola (erradicado há várias décadas) e o da poliomielite (em processo de erradicação).

SBMT: Entre os parasitos existentes, quais seriam benéficos e maléficos para o planeta caso deixassem de existir? Por quê?

Dr. Marcelo: Não é possível responder, pois há muitos milhares de espécies de parasitos de animais (incluindo seres humanos) e plantas conhecidos. Listar um grande número de parasitos e as possíveis consequências da eliminação de cada um deles não seria uma tarefa fácil; além disso, as previsões seriam absolutamente imprecisas, pois não há dados para embasá-las. Não há dúvida, entretanto, sobre a importância e a factibilidade de eliminar alguns parasitos associados à grande morbidade na saúde humana, como os plasmódios e diversos vermes. Mas não se podem prever com precisão as consequências, em longo prazo, da eliminação desses parasitos na capacidade de resposta imunológica a outros patógenos e a antígenos associados a doenças de origem alérgica, como a asma e o eczema.

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The elimination of parasites would require a new adaptation process for all humanity, due to the new situation where the ability to resist certain infections – selected along thousands of years – would cease to have any adaptive value

A parasite is itself, a being that takes something from a host and gives nothing in return. There are many examples, as the case of ascariasis that develops inside the human body and can cause diarrhea, vomits and bowel obstruction. However, would it be best for humans and other animals if these beings did not exist?

In an interview to the Brazilian Society of Tropical Medicine (BSTM), the PhD in parasitology, Marcelo Ferreira, explains the importance of parasites for basic aspects, i.e the population control. Still according to him, during thousands of years, humans developed along with several pathogenic organisms and have adapted for this interaction. For Dr. Ferreira, the “elimination of parasites would require a new adaptation process for all humanity, due to the new situation where the ability to resist certain infections – selected along thousands of years – would cease to have any adaptive value”.

Find the full interview below:

BSTM: If the parasites ceased to exist from a moment to another, what would be the consequences for humans and animals?

Dr. Ferreira: Let us first define what parasitism is. Literally, it means “feed aside from”. It is a kind of symbiosis (long lasting association between living beings from different species) where one of the partners (the parasite), usually smaller, obtains some kind of advantage from the other partner (the host). Parasites can be defined as all those living beings from different taxonomic groups (virus, bacterium, fungi, protozoa, helminthes and arthropods) that engage at least for a part of its life, in a parasitic association.

The interaction between parasites and hosts have important consequences for the host’s populations. For example, many parasitic infections raise the mortality or delay the growth of their respective hosts. Parasites usually, therefore, may have and important role controlling the populations of hosts that compete over finite resources. On the other hand, parasites manipulate the host’s immune responses in several ways – that could result in exacerbated inflammatory responses against several antigenic stimulations or even in its opposite, the induction of some tolerance level.

The most likely scenario, in the hypothesis of complete disappearance of all known parasite species, would be the progressive substitution for other living beings (non-parasitic symbionts) that would then explore the ecological niches that became available, and potentially causing some kind of “disease” in their new hosts.

BSTM: Would the non-existence of parasites cause any problem to the immune system?

Dr. Ferreira: I can affirm it would cause deep changes in the way hosts respond to different antigenic stimulations. The parasites are important regulation factors for the host’s immune response. The importance lays in the fact that infections caused by different hosts have extremely diverse consequences – there are very well established evidences of certain ease of the immune response during infections caused by certain parasites (especially helminthes), as well as some exacerbation of immune responses when infected by other parasites (plasmodium, for example). This modulation of the immune response affects the way the hosts respond to other infectious agents, vaccines and allergens.

BSTM: What is the importance of parasites for humanity?

Dr. Ferreira: Humans have suffered profound influences from its long lasting relation with parasites. Several human genetic polymorphisms have become common, at least among some populations (for example, those associated to sickle cell disease, thalassemia and absence of the Duffy blood group), due to its adaptive value in parasitic infections. (In fact, all examples above at least partially, protect against malaria.) Therefore, for thousands of years we have co-evolved with a wide variety of pathogenic organisms and have adapted to this relation. Simply eliminating parasites would require humanity to begin a new adaptation process, facing a new situation where the ability to resist certain infections – selected along thousands of years – would cease to have any adaptive value.

BSTM: Is there any chance of one day Science reaching such evolution that would be able to eliminate all existing parasites?

Dr. Ferreira: Eliminating all known parasites does not make any sence, because other organisms would take the ecological niche left by them. Besides this, there are parasites that circle among humans and animals (domestic and wild), which are infection reservoirs. Therefore, in many cases, eliminating the human infections would not be enough to eliminate the parasites able to infect humans. However, there are several cases when the elimination of specific parasites is considered technically feasible. Well known examples are plasmodium and some helminthes, as tapeworms, onchocerca and guinea-worm. Among the viruses, the best examples are smallpox virus (eradicated decades ago) and Polio (in eradication process).

BSTM: Among the existing parasites, which would affect the plane positively or negatively if ceased to exist? Why?

Dr. Ferreira: It is not possible to answer, because there are many thousands of animal parasites (including humans) and known planets. Listing a great number of parasites and the possible consequences of their elimination would not be an easy task; besides this, the “predictions” would be completely inaccurate, because there is no data do rely on. Without a doubt, however, about the importance and feasibility to eliminate some parasites associated to the great human morbidity, as plasmodium and several worms. But it is not possible to accurately predict the consequences, in long term, of the elimination of these parasites in the immune response capacity to other pathogens and antigens associated to allergic disease, as asthma and eczema.